O EFEITO DE CORIOLIS: DE PÊNDULOS A MOLÉCULAS

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Emílio BorgesI, *; João Pedro BragaII
IDepartamento de Química, Centro de Ciências Exatas e Tecnológicas, Universidade Federal de Viçosa, 36570-000 Viçosa - MG, Brasil
IIDepartamento de Química, Instituto de Ciências Exatas, Universidade Federal de Minas Gerais, 31270-901 Belo Horizonte - MG, Brasil

Em meados do século XVII a deflexão horizontal de objetos em queda livre era um dos principais debates científicos, sendo a análise correta desse problema motivada pela discussão milenar acerca da questão fundamental; a terra possuía ou não movimento de rotação em torno do próprio eixo?1 Um dos pioneiros nessa investigação foi Galileu Galilei, que idealizara um experimento em que um objeto era lançado do alto de uma torre de maneira a sofrer queda livre. Segundo Galileu, se a terra realmente estivesse em rotação, tudo em sua superfície também estaria, incluindo a torre, que possuiria velocidade angular ligeiramente diferente em suas partes inferior e superior. Quantificando essas ideias Galileu previu que o objeto em queda desviar-se-ia sutilmente para o leste mesmo que nenhuma força aparente, que não fosse a gravidade, atuasse sobre o mesmo.2 Entretanto, comprovações sobre essa previsão dificilmente seriam observadas naquela época, devido a perturbações inerentes, tais como atrito com o ar e outros erros experimentais.
Três séculos após os experimentos mentais de Galileu, início do século XX, o húngaro Lorand Roland Eötvös, primeiro físico a verificar experimentalmente a equivalência entre massa inercial e massa gravitacional, quantificou a deflexão horizontal para objetos em movimentos retilíneos horizontais, fato observado em deslocamentos marítimos de embarcações, por pesquisadores do Institute of Geodesy em Potsdam, Alemanha.3
Sabe-se atualmente que os desvios, relatados aos movimentos verticais e horizontais de objetos na superfície da Terra, são casos particulares de um mesmo efeito devido à força de Coriolis, homenagem ao francês Gaspard Gustave Coriolis.4 Coriolis foi um cientista de família nobre que em 1816 ingressou na Ècole Polytechnique em Paris, na qual desenvolveu seus mais importantes trabalhos. Com base em estudos da mecânica de operação de máquinas, Coriolis analisou movimentos relativos de engrenagens em diferentes sistemas de referências e, em 1831, publicou o trabalho Sur le príncipe dês forces vives dans lês mouvemens dês Machines no qual essas ideias foram formalizadas e quantificadas.5 Em 1835 lançou o estudo Sur les équations du mouvement relatif des systèmes de corps em que descreveu, sob o ponto de vista de um observador presente em um referencial em rotação, as leis de Newton para um corpo em um sistema de referências fixo.6 Coriolis propôs que a força total que agiria sobre o corpo no referencial fixo quando medida pelo observador em rotação seria constituída por forças reais devidas à gravitação, atrito, dentre outras, e forças fictícias que não estariam presentes se o observador se encontrasse no mesmo referencial que o corpo em rotação. As forças fictícias seriam três: centrífuga, azimutal e a força que levou o seu nome, a de Coriolis. Pode-se, portanto, atribuir a origem dessas forças fictícias, em especial da força de Coriolis, à existência de pelo menos dois sistemas de referências, um dos quais deve estar necessariamente em rotação. Sendo a Terra um referencial em rotação seria natural que a força de Coriolis atuasse sobre todos os objetos em sua superfície e isso de fato acontece, embora nem sempre esses efeitos sejam perceptíveis. Contudo, a força de Coriolis é fundamental para a descrição de correntes de convecção em fluidos, que surgem em fenômenos meteorológicos, tais como circulação atmosférica de larga escala e circulação de brisas e correntes marítimas.7,8
Surge então a questão: Teria a força de Coriolis alguma influência em processos moleculares ou sua importância seria exclusivamente macroscópica? Como uma resposta natural poder-se-ia afirmar com base nos trabalhos de Coriolis que em qualquer sistema, macro ou microscópico em que estejam presentes no mínimo dois referenciais, um inercial e outro não inercial, os efeitos dessa força estariam presentes. Apesar de essa força ser chamada fictícia seus efeitos são bem reais, inclusive em nível molecular, e consequências desse fato surgem, por exemplo, em espectroscopia vibracional e fenômenos de transferência de energia. No presente artigo, alguns aspectos acerca da relevância da força de Coriolis tanto no mundo macroscópico quanto no microscópico são discutidos.

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